O livro de Paul Preciado nos faz relembrar que grande parte dos textos e práticas psicanalíticas giram em torno de um poder discursivo e político, de uma narrativa sócio histórica que contém em seu arcabouço teórico um binarismo normativo e patriarcal.
A crítica à essa psicanálise, destacada por Preciado, se faz muito necessária por levantar questões e tensionamentos sobre o modo de escuta da subjetivação dos sujeitos e seus corpos apenas dentro da perspectiva da diferença sexual, de gênero binário e da heterossexualidade. Caso contrário, toda sexualidade não heterossexual, os processos de transição de gênero e as identificações de gênero não binário estariam relegadas ao campo dos diagnósticos em sua dimensão patológica, inclusive com grande potencial de produção das mais diversas violências. Paul nos provoca nesse sentido e nos ensina que há uma mudança de paradigma, uma transformação epistemológica em curso e, frente a isso, é preciso que os psicanalistas se decidam em como e onde irão se colocar durante esse processo. Ou continuamos sustentando um discurso normativo no se que refere à genero, sexo e sexualidade ou nos propomos a uma abertura para um processo de crítica política dos nossos discursos e práticas. Certamente, essa decisão traz um grande incômodo, nos mobiliza, nos provoca... mas, é possível que esse incômodo possa nos conduzir à reflexão, à saídas criativas. Que possamos (re)pensar e (re)ler a psicanálise sempre alinhada às questões do nosso tempo, com práticas dissidentes, insubmissas e desobedientes epistemologicamente. É preciso uma psicanálise que escute o plural, a diversidade. Não aquela que enquadra a transexualidade ora na perversão ora na psicose, até porque essas terminologias contribuem no imaginário coletivo para uma concepção patologizadora.
Assim como Paul Preciado aborda em seu livro, os movimentos feministas e movimentos trans trazem uma crítica a qualquer concepção universal sobre o sujeito. Isso traz questões para o campo Psi, ou seja, é possível construirmos teorias tão universais sobre o sujeito e suas experiências? Em qual contexto surgiram as teorias que usamos para embasar nossa prática e de que modo elas nos servem na atualidade? São questões pertinentes e urgentes. Assim como diz Preciado:
“viver para além da lei do patriarcado colonial, da diferença sexual, da violência sexual e de gênero, é um direito que todo corpo vivo deveria ter”.
Por Vitor Ramos
CRP 06/149076