![](https://static.wixstatic.com/media/f1afe4_0269ab0b67964d5b8f575ac93670af79~mv2.png/v1/fill/w_980,h_980,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/f1afe4_0269ab0b67964d5b8f575ac93670af79~mv2.png)
Abrir o relacionamento pode ser a solução para que eu pare de sentir insegurança emocional? Vou me casar e nunca mais ficar com ninguém? Se eu abrir a relação consigo lidar com o fato delx ficar com outra pessoa?
Os relatos costumam ser parecidos, a gente entra numa relação a dois achando que assim vai se sentir menos só e mais segure emocionalmente, mas quando vive descobre que ainda assim sente insegurança, incompetência e instabilidade porque a monogamia responsabiliza a parceria pela garantia de tudo isso. Aí abre a relação, com o contrato de ter liberdade para transar com outras pessoas, mas não se apaixonar por ninguém, manter a exclusividade afetiva e ainda joga mais umas regrinhas nessa poção mágica. O resultado costuma ser um grande desastre onde todos aqueles sentimentos ruins não só se mantém como muitas vezes se potencializam.
Mas calma, eu ainda não estou dizendo que abrir a relação é uma cilada.
Vem comigo:
Que história é essa de querer abrir o relacionamento sem nem saber o que é isso exatamente? As pessoas já não são bem sucedidas em seus relacionamentos e estão buscando maneiras de resolver isso. A cada dia mais e mais a gente escuta o burburinho dos novos modos de amar. É crescente o posicionamento e a defesa dos modelos não-monogâmicos como uma alternativa de transformação em oposição à monogamia e sua possível obsolescência.
Percebo também um forte movimento da noção de evolução como um processo histórico. A visão de que o desenrolar natural da história culmina em um estado superior e mais desenvolvido, ao passo que viver relações monogâmicas se tornará cada vez mais retrógrado e pouco evoluído, e inclusive, com uma carga de responsabilidade de cada indivíduo se emancipar dos equívocos do passado.
Quem vive e observa o mundo bem sabe que o caminhar da História na maioria das vezes não é linear, mas de maneira descontínua e fragmentada, constitui o agora nas instabilidades, na diversidade, na multiplicidade e em variadas direções e facetas. Me parece prudente ter cuidado, no entanto, para que essa tentativa de romper com uma moralidade não caia numa lógica simplista e novamente moralizante.
Pensando também em história, vale pontuar, que esse modelo romântico pelo qual a gente vive e morre de amor se trata de uma narrativa bastante ocidentalizada. Em outras palavras, uma narrativa branca, e se você parar para pensar um pouquinho vai se dar conta de que a maioria das nossas referências amorosas não envolvem pessoas de pele preta. Como bem lembra Andreone das palavras de Bell Hooks, o corpo preto não tem a mesma permissividade social para amar. Cito aqui um pedacinho do trabalho de Andreone que acho esclarecedora:
"Nesse vai e vem dos afetos sociais, o amor que circula por aí é o amor branco, o amor permitido e aclamado; o amor que pressupõe vida. E pessoas brancas “querem nos amar” e “querem que lhes amemos” da mesma forma. Mas são linguagens diferentes. E se elas não forem compatíveis, ou compatibilizadas, esse amor nunca será real. Será indutivo, impositivo e autoritariamente hierarquizante.
Pessoas negras são, sim, capazes de amar e de viver a sensibilidade afetiva do outro ser; mas não é a partir desse amor branco socialmente codificado para representar ascensão e liberdade. Queremos espaço para poder ser quem somos sem aquele medo histórico de sermos punidos por isso. Queremos a segurança de que somos pessoas amadas e amantes, não objetos e divertimentos. E até entre pessoas racializadas o amor branco tem sido tomado por modelo. Um modelo falho, mas que tem se espalhado no solo fértil do racismo estruturante da nossa sociedade”
Reconhecer essas estruturas de funcionamento é também reconhecer a posição que os diferentes corpos ocupam nas relações de poder afetivo-amorosas e que a branquitude está sistematicamente num lugar de privilégio em questões materiais, subjetivas e sociais. Pego o gancho pra dizer que acredito ser uma lógica análoga em qualquer caso de vivência dissidente, como por exemplo, pessoas trans, indígenas, PCD. Falar sobre esse assunto é falar sobre muitos privilégios (ou a falta deles).
Dei essa volta toda porque acho importante que a gente se contextualize. Mas também entendo que monogamia ou não-monogamia dizem bastante a respeito sobre a forma de apresentação do nosso desejo. Se a monogamia se coloca no lugar do controle do corpo do outro, do desejo do outro, aceitar que a gente não tem controle sobre os sentimentos é um super tapa na cara. As pessoas se apaixonam podendo ou não podendo.
O QUE EU QUERO DIZER COM TUDO ISSO, é que abrir a relação não necessariamente é ruim, mas que precisamos pensar no porquê fazemos essa escolha.
Não temos modelos, hoje experimentamos novas formas de amar porque sentimos que não cabemos mais na monogamia, mas ao mesmo tempo não sabemos muito bem para onde ir. Lacan definiu o desejo como o desejo DO DESEJO DO OUTRO. O desenrolar dessa montagem do nosso desejo nos relacionamentos, que se manifestará na forma da monogamia ou da não-monogamia, se dá sempre em relação com o outro.
As pessoas têm se perguntado: Por quê a gente não pode separar totalmente as coisas? A gente se ama, a gente leva isso em conta e ao mesmo tempo a gente tem um casamento aberto, onde se pode ter explorações, investigações e etc.
Em geral vem na hora errada. Vem na hora em que o outro está no lugar do super-eu (vejo o outro como uma interdição -> se não tivesse o outro eu ia naquela balada, só não faço isso por causa do outro). Então se a minha liberdade está sendo tolhida por você então vamos abrir a relação, acabamos culpabilizando o outro por não se levar a sério no nosso próprio desejo. É montar uma cena de covardia com o seu próprio desejo, é você pondo o outro no lugar de quem não te deixa viver o seu próprio desejo.
Para viver uma relação diferente da monogamia precisamos nos tornar especialistas no cuidado com a relação e com a lealdade. Na verdade, o mais importante é que abrir a relação, viver modalidades de relacionamento não monogâmico ou se sustentar na monogamia tenha como prioridade CUIDAR DA RELAÇÃO e não o cumprimento de satisfações individuais apenas. Uma relação aberta exige MUITA comunicação aberta, cuidado e retorno para que a relação funcione. Crescer como casal!
Você quer abrir o relacionamento para poder ficar com outras pessoas ou para viver o relacionamento e o amadurecimento do mesmo com sua parceria? No fim das contas é, isso é para você ou para a sua relação? E se é só para você então que medo é esse de ficar sozinho? Para qualquer tipo de relacionamento, qualquer modelo relacional, há de haver COMUNICAÇÃO. Muita comunicação, muita D.R. Há de haver SINCERIDADE e LEALDADE consigo mesme e com quem se relaciona.
Um relacionamento é feito de muitas fases, mesmo dentro de um relacionamento aberto, é possível viver tempos de abertura, fases onde só se quer viver o casal, tempos em que só uma das pessoas vai explorar. No final das contas, um relacionamento é muito mais além do que ficar com outras pessoas ou ficar com uma pessoa só. O caminho é longo e recomeçar dentro de uma mesma relação pode ser muito importante.
O que me parece valioso é a proposta de um amor realmente leal e realmente cuidadoso.
Por Alessandra Azevedo
CRP 06.162000
Comentarios