“A prateleira do amor – sobre mulheres, homens e relações” Valeska Zanello
Nesse livro, a autora propõe que existem diferentes dispositivos de gênero para mulheres e homens. Apesar de binário, a proposta é justamente entender os efeitos desse binarismo sobre os processos de socialização (comportamentos e emoções). A diferença sexual só pode ser interpretada através da linguagem, ou seja, é inseparável da cultura, perpassando por valores e esteriótipos sobre o corpo. Nessa interpretação cultural sobre o corpo classificam-se os seres humanos e certos atributos do feminino e do masculino são lidos como “naturais” ou como fruto de uma “essência”. Essa forma de classificar foi o argumento que justificou a forma da divisão sexuada do trabalho no capitalismo, bem como para a distribuição dos espaços (público e privado). Tereza de Lauretis (1994), feminista da terceira onda, cunhou o termo “tecnologias de gênero”: refere-se a produtos culturais que não só representam os esteriótipos de gênero, como os reafirma. Ou seja, funcionam como uma “pedagogia de gênero”. Nos filmes, por exemplo, o tema central em que as mulheres aparecem é na busca de um amor e o uso da beleza/corpo é usado para tal conquista. Aprende-se que o mais importante na vida de uma mulher é ter um homem e que o corpo é seu maior capital simbólico e matrimonial. Para os homens, a principal tecnologia de gênero é a pornografia, o efeito disso é a transmissão de um tipo de “emocionalidade” na masculinidade permeado pela objetificação sexual dos corpos. Nesse sentido, os homens entendem que estão em um nível superior já que o outro é transformado em objeto. Nos filmes, a representação dos homens bem sucedidos se dá pela via do sucesso profissional e do capital financeiro. No bojo da cultura é que as “performances” de gênero são ensinados e reiteradas.
Mulheres: Dispositivo Amoroso e Dispositivo Materno
Dispositivo Amoroso: o amor não é um sentimento espontâneo e nem individual. Trata-se de uma emocionalidade que é aprendida e mediada pela cultura. Vivemos em uma cultura em que os homens aprendem a amar muitas coisas e as mulheres aprendem a amar os homens. Ou seja, o sucesso como mulher depende de ser “escolhida” por um parceiro/a e se manter escolhida. É isso que a autora chama de subjetivação na “prateleira do amor”, mediado pelo ideal estético historicamente construído. Quem está no topo da prateleira? O corpo branco, magro e jovem! Quanto mais distante, mais longe de ser “escolhida” para um relacionamento afetivo/romântico e assim ser rejeitada e objetificada. Nesse ínterim, a autoestima é terceirizada: aprende-se que elas só são desejáveis se tiverem alguém as desejando. Esse funcionamento estima a rivalidade entre mulheres.
Dispositivo Materno: é ensinado que as mulheres devem priorizar as demandas, necessidades e interesses dos outros em detrimento dos próprios. Ideia de “vocação” de cuidar. A construção da ideia de instinto materno é do século XVIII, justificando a divisão sexuada do trabalho no capitalismo. Assim é tomado que uma série de atribuições é “coisa de menina”.
Homens: Dispositivo da Eficácia
“Eficácia” está relacionado aos valores ideias de “virilidade laborativa” e “virilidade sexual”. O trabalho para o homem é uma questão identitária, o que não é o mesmo para as mulheres.
A construção da masculinidade hegemônica se dá de duas formas: no imperativo (seja homem!) e no negativo (não ser uma “mulherzinha”!). Demonstrar repúdio pelas características femininas fundamenta a misoginia, que se apresenta de formas diretas e indiretas.
Um dos principais modos de misoginia é a objetificação sexual das mulheres. Para se “tornar homem” a principal emocionalidade exigida é objetificar e demonstrar isso para os seus pares (homens). Dessa forma, na socialização existem as “provas da masculinidade” a serem apresentados aos outros homens, permeado por relações de “broderagem”, em que protegem uns aos outros.
Nas masculinidades subalternas, marcados pelas interseccionalidades, opera-se um jogo de poder em dupla subjugação: de mulheres e de outros homens. Dessa forma, o acesso a “prateleira do amor” para os homens que menos se aproximam dos ideias de masculinidade é mais distante do topo da pirâmide e do exercício de poder. Mas, nem por isso deixam de ter privilégio sobre o grupo das mulheres.
Além de didático, esse livro toca em temas muito importantes, como a questão dos diversos tipos de violência e sobre como a construção da diferença de gênero operou historicamente. Como sugestão de leituras nessa mesma temática temos o livro “Manifesto antimaternalista: Psicanálise e políticas da reprodução”, da Vera Iaconelli; “O livro do amor”, Vol I e II, da Regina Navarro Lins e o “Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade”.
Por Maria Caroline Ofsiany
CRP 06.145073
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